Instituído pela ONU, em 2013, o Dia Mundial do Solo tem por objetivo conscientizar a sociedade de que os solos são essenciais à sustentabilidade da vida. É urgente o reconhecimento mundial deste sistema vivo como primordial ao desenvolvimento agrícola e florestal, a estabilidade dos ecossistemas, a segurança alimentar e ambiental, em cenários de forte pressão da população mundial em crescimento contínuo.
Por: José Leonardo de Moraes Gonçalves (ESALQ) e Alexandre de Vicente Ferraz (IPEF)
Os primeiros florestamentos realizados nas décadas de 60 e 70 do século passado adotaram métodos convencionais de preparo de solo, seguindo padrões tipicamente agronômicos. A biomassa vegetal residual era enleirada e queimada. O preparo primário do solo era realizado com arado de disco ou aiveca e grade leve ou, em solos leves (textura arenosa ou média), usava-se a grade pesada. Adotava-se uma recomendação única para extensas plantações florestais, independentemente do tipo de clima, de solo e do material genético. A proibição da queima da biomassa vegetal residual, a necessidade de diminuir a velocidade de degradação dos solos, a preocupação com a preservação dos recursos naturais e o uso de herbicidas foram fatores que predispuseram e agilizaram a adoção do Cultivo Mínimo do Solo (CMS). O controle de plantas infestantes com herbicida foi crucial, porque neste sistema não há inversão da camada superior do solo (como no sistema convencional), ficando o banco de sementes das plantas daninhas nas camadas superficiais do solo (não soterrado). Isto causa aumento da infestação dessas plantas, dificultando ou inviabilizando, operacional e economicamente, o controle manual.
O CMS consiste em revolvê-lo o mínimo necessário, mantendo a biomassa vegetal residual (inclusive da própria cultura e de plantas infestantes) sobre o solo como cobertura morta (Figura 1). Para plantações florestais, prevê a realização de um preparo localizado apenas na linha ou na cova de plantio. Devido ao amplo espaçamento de plantio, geralmente, entre 2,5 a 3,0 m entre linhas, o volume de solo revolvido é bem menor do que aquele realizado para culturas anuais. Trata-se de um sistema conservacionista do solo, pois mais de 70% da superfície do solo fica coberta com biomassa vegetal residual, oferecendo alta resistência às perdas de solo e água por meio do processo erosivo. O ciclo longo de cultivo das plantações florestais constitui uma vantagem em relação às culturas anuais, pois implica em menor movimento de máquinas sobre o solo.
Passados mais de 25 anos de implantação do sistema de CMS, depreende-se que as contribuições desta prática para a evolução da silvicultura brasileira foram enormes. Entre alguns de seus benefícios destaca-se i) o estancamento dos intensos processos de erosão que ocorriam quando as plantações eram estabelecidas com práticas intensivas de preparo de solo, ii) a diminuição da perda de nutrientes do ecossistema, o que gerou diminuição dos custos com fertilização, iii) o controle mais eficiente de plantas daninhas. Houve grande avanço também para o manejo da bacia hidrográfica. Por exemplo, com a menor compactação, o solo tem maior capacidade de infiltração de água, o escoamento superficial é menor, promovendo a recarga hídrica de camadas subsuperficiais do solo e a regularização dos cursos d’água.Com a adoção do CMS, a construção de terraços tornou-se desnecessária. Também possibilitou a realização do plantio, dos tratos culturais e da colheita no sentido do declive, acompanhando o maior comprimento da gleba. Isto propiciou o aumento dos rendimentos operacionais, sobretudo, nas regiões de relevo mais acidentado. Os riscos de erosão hídrica são baixos, porque as culturas florestais têm ciclo longo e a quantidade de resíduos (tocos, raízes, serapilheira e restos da colheita) no terreno é grande. Dessa forma, mesmo no período de colheita, a superfície do solo fica bem protegida, e rapidamente é coberta pelo novo plantio. Antes do uso do CMS era mais frequente a necessidade de manutenção das estradas florestais, com objetivo de retirar sedimentos oriundos de áreas de produção.
Relatos de empresas florestais atestam que, na primeira metade da década de 90, a adoção do Cultivo Mínimo em áreas planas representou uma redução de 45% nos custos de reforma florestal e um aumento de 85% na eficiência da mão de obra. Em áreas acidentadas, a redução de custo operacional foi de 25% e, o aumento da eficiência da mão de obra, de 60%.
O CMS em plantações de eucalipto está possibilitando a recuperação de solos e de microbacias hidrográficas em regiões com relevo acidentado. Por exemplo, em algumas regiões acidentadas de Minas Gerais, no vale do Rio Doce, e de São Paulo, no vale do rio Paraíba do Sul, onde há extensas áreas com pastagens degradadas. Nestas regiões, o processo de ocupação ocorreu com o desmatamento da floresta nativa, o uso indiscriminado da queima de biomassa vegetal e o superpastejo, o que, aliado ao relevo movimentado e à ocorrência de chuvas erosivas concentradas, resultou em um quadro grave de degradação do solo por erosão, assoreamento de nascentes e cursos d’água. Verifica-se em grandes áreas a perda parcial ou total do horizonte A do solo. Vários estudos conduzidos pela Universidade Federal de Lavras (Silva et al., Ciência Florestal, 2011) e pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Wichert et al., Scientia Forestalis, 2018) comprovaram que as perdas de solo e água por erosão hídrica em povoamentos de eucalipto são baixas, equivalentes às perdas em floresta nativa, e muito menores do que em pastagem. Esta eficiência está ligada ao fechamento e ao entrelaçamento das copas das árvores e a formação da camada de serapilheira, que interceptam as gotas de chuva, evitando o impacto e o desprendimento e transporte das partículas de solo, além de aumentar a infiltração de água no solo. Em médio ou longo prazo, a conversão de pastagem degradada para povoamento de eucalipto aumenta o teor de C total no horizonte A do solo. Esta mudança ocorre devido à redução ou eliminação do processo erosivo e ao aumento da produtividade primária líquida do ecossistema. Isso tem importantes implicações no regime hídrico da bacia hidrográfica, contribuindo para a estabilização do fluxo dos cursos d’água. Com maior aporte de carbono na camada superficial do solo, em poucas rotações de cultivo o horizonte A é recomposto.
Enfim, a situação atual do setor florestal brasileiro, caracteriza-se pela consolidação do Brasil como um grande player internacional em silvicultura. A rápida expansão das áreas plantadas, em larga escala e com alta produtividade, reflete a concretização do desenvolvimento científico e tecnológico do setor. Nas últimas três décadas, entre as várias práticas silviculturais, os avanços conseguidos nas áreas de conservação e de cultivo do solo tiveram contribuição destacada para comprovar que a experiência brasileira, apesar das repetidas rotações de cultivo em curto prazo, foi eficiente em manter ou obter ganhos contínuos de produtividade florestal. Para que este sucesso prevaleça é essencial que pesquisadores e gestores florestais mantenham o necessário equilíbrio entre produção e conservação dos recursos naturais, com especial deferência ao solo.
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05/12/2020